Estudantes da UnB Apresentam Formas de Valorização das Religiões Afro-Brasileiras

Umbandista e estudante do curso de Publicidade e Propaganda na UnB, Carolina Calvet, apostou na criação de conteúdos para redes sociais como uma forma de valorizar a cultura e religiosidade afro-brasileira.

 

Carolina Calvet, umbandista e estudante do curso de Publicidade e Propaganda na UnB. Foto: Lucas Lopes.

 

Apesar de ter nascido em um lar onde a maioria de seus familiares professavam a fé cristã, a estudante conta que, desde cedo em sua infância, temas relacionados à espiritualidade sempre provocaram o seu fascínio e a sua curiosidade. Mas foi só em 2018 que Calvet se aproximou da Umbanda, período no qual teve que lidar com o processo de luto pelo falecimento de seu pai. “Eu estava num momento que realmente estava precisando de algum apoio espiritual. Então, eu comecei a procurar na internet sobre outras religiões e me interessei pela umbanda. E aí, eu fui entrando de pouco em pouco nesse mundo”, conta.

 

Estudante mexendo no celular. Foto: Lucas Lopes.

 

Ao se aprofundar nos estudos das práticas religiosas, a estudante relembra que foi tomada pelo sentimento de perplexidade. “Tudo que eu ouvi sobre as religiões de matriz africana eram normalmente coisas muito ruins. Ouvia que Exu, um orixá, era o diabo, que dentro dessas religiões de matriz africana existiam coisas tenebrosas. Quando eu comecei a estudar sobre a Umbanda, eu fiquei completamente assustada porque eu vi que tudo que eu ouvia não era verdade.”

 

Carolina Calvet mostrando a quantidade de vídeos publicados no Tik Tok. Foto: Lucas Lopes.

 

A partir da percepção sobre a necessidade de romper a barreira dos preconceitos, Calvet decidiu começar a abordar o tema da cultura e das religiões de origem africana em sua conta do Tik Tok no início de 2024. Um dos destaques das produções da estudante é o quadro Papo de Terreiro, uma série de vídeos em que a estudante busca desmistificar noções negativas que pairam sob o imaginário popular sobre a Umbanda. 

 

 

Para isso, a estudante apresenta aos seus seguidores as histórias dos orixás, e compartilha outras curiosidades sobre a ancestralidade africana. No total, a série já acumula mais de 1 milhão de visualizações. Um de seus vídeos que narra sobre a história do orixá Omulu viralizou recentemente, atingindo a marca de 839 mil visualizações. 

 

 

Assim como Calvet, o estudante de Serviço Social da UnB, Matheus Trindade, também iniciou na religião já na fase adulta. Candomblecista, Trindade frequentou terreiros, que são os territórios sagrados para os devotos de sua fé, desde a infância, acompanhando o seu pai. Ele comenta que, no dia a dia, são recorrentes as situações de desrespeito contra aqueles cuja crença está ligada a alguma denominação religiosa de matriz africana. 

“Quando eu me iniciei na religião, eu trabalhava no sistema socioeducativo, lidando com jovens em conflito com a lei. Há um certo período, durante a iniciação, que devemos usar só roupas brancas, e, no trabalho, os seguranças achavam que eu era um dos adolescentes presos. Então falavam de forma mais grossa comigo, de forma mais decisiva. E quando eu virava de costas, eles viam que era eu e se desculpavam. A gente entende isso como uma forma de racismo religioso”, relatou.

Estudante de Serviço Social da UnB, Matheus Trindade. Foto: Lucas Lopes.

 

Atualmente, Matheus trabalha como estagiário no Ministério da Igualdade Racial. O estudante ressalta que a sua experiência o permitiu testemunhar o impacto que a elaboração de políticas públicas na inclusão de povos de terreiro dentro de programas da assistência social. Segundo o estudante, a articulação dessas medidas são importantes para o combate ao racismo religioso. “Tenho esse privilégio de trabalhar diretamente pensando política pública para um povo que eu sou parte, sabe? Tudo isso tem sido muito importante”, conta. 

Racismo religioso

No Brasil, casos de desrespeito ou violência contra praticantes de religiões de matriz africana são frequentes. De acordo com os dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, o número de registros de denúncias e violações, nesse ano, foi o maior desde 2021. Em comparação ao ano passado (2023), a quantidade de violações teve um aumento de 155%, ao passo que as denúncias aumentaram em 130%. 

Acompanhe o infográfico a seguir. 

 

 

O crescente número de casos dimensiona o atual cenário, no qual os devotos de religiões afro-brasileiras em todo o território brasileiro não têm plena garantia do direito à liberdade religiosa. Neste contexto, o termo racismo religioso tem sido debatido entre especialistas para se compreender melhor os casos de discriminação e violência direcionados às comunidades adeptas de religiões de matriz africana. 

Em entrevista exclusiva ao Campus Multiplataforma, o coordenador de Enfrentamento ao Racismo Religioso, pasta vinculada ao Ministério da Igualdade Racial, Anderson de Figueiredo Matias explicou que o termo “intolerância religiosa” é insuficiente para designar o ódio e violência praticada contra os praticantes de religiões de matriz africana. “O termo racismo religioso se adequa melhor no sentido de traduzir os impactos que os discursos de ódio e as diferentes formas de violência conseguem atingir o povo de terreiro”, pontua.

 

Ministério da Igualdade Racial. Foto: Lucas Lopes.

 

Segundo Matias, o termo ajuda na compreensão de que os ataques violentos e discriminatórios não se resumem somente à questão religiosa, pois derivam do ódio à cultura e à tradição dos povos de origem africana. Nesse sentido, a terminologia, favorece o entendimento de que as ações de combate ao racismo religioso devem mobilizar outros setores da sociedade civil e outras esferas da política institucional.

Em outubro de 2024, o Ministério da Igualdade Racial lançou um guia que apresenta o passo-a-passo para a formalização de denúncias relacionadas ao racismo religioso. A peça orienta que, na ocorrência de crimes, a vítima deve colher as evidências disponíveis e levá-las até uma delegacia próxima para realização do boletim de ocorrência. Caso as violações aconteçam em ambientes virtuais, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania dispõe do canal de denúncias Disque 100, além do portal digital Fala.br para o acolhimento de manifestações.

 

Guia de Orientação para denúncias de racismo religioso. Foto: Lucas Lopes.

 

Veja o guia o guia completo aqui : Guia de Orientação para denúncias de racismo religioso

 

A ideia do guia é promover a conscientização acerca da importância de denunciar atos criminosos de violência religiosa. Matias reitera que as denúncias formais são importantes para o planejamento de políticas públicas que visem a garantia ao amplo direito à liberdade religiosa para toda a sociedade brasileira.

Entre um dos avanços para o impedimento das violências direcionadas a umbandistas, candomblecistas e outros demais povos de terreiro, o coordenador também destacou a aprovação do Decreto Nº 12.278, assinado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 29 de novembro. A decisão determina diretrizes para a cooperação entre diferentes ministérios e órgãos federais no processo de elaboração de ações para o enfrentamento do racismo religioso e fortalecimento dos territórios sagrados, que por vezes são alvos de depredações.

Confira a entrevista na íntegra:

 

 

O papel da Universidade 

Integrante do Núcleo de Estudos sobre Filosofias Africana (NEFA/UnB) e professor do Departamento de Filosofia da UnB, Wanderson Flor do Nascimento considera que a Universidade pode desempenhar um papel relevante para a valorização da cultura afro-brasileira e para o combate ao racismo religioso. Ele salienta que a interação entre movimentos negros e indígenas e o ambiente acadêmico têm estimulado a produção de estudos mais críticos, possibilitando que os “afro-brasileiros, em vez de meros objetos de estudos, possam também ser sujeitos das investigações sobre a história de nosso país, observando outros horizontes de compreensão que sejam úteis no enfrentamento às diversas formas de racismo, entre elas aos racismos religiosos”, explicou. 

Universidade de Brasília (UnB). Foto: Lucas Lopes.

Recentemente, Nascimento tem se dedicado  ao estudo sobre a função que os terreiros exercem na formação social, política e histórica dos povos de origem africana. Para além de um espaço religioso, o pesquisador salienta que estes são lugares geradores de conhecimento.  A realização de linhas de pesquisas nesta área é representativa de como novas abordagens de pesquisa podem trazer para a esfera acadêmica visões diversificadas, rompendo com o histórico eurocêntrico de determinados eixos de conhecimento da academia. “A produção de novas pesquisas, embora não seja suficiente para o enfrentamento aos racismos, é um passo importante para que novas imagens dos povos não-brancos passem a circular no Brasil.”

 

Estudantes andando pelos corredores do Instituto Central de Ciências (ICC) da UnB. Foto: Lucas Lopes.

 

Em meio ao avanço das redes sociais como espaços de divulgação científica, ele observa com otimismo a utilização de plataformas para produção de conteúdos sobre a cultura afro-brasileira. No entanto, o professor destaca que é necessário ter cautela para não se endossar conteúdos que tratem as diversas manifestações de matrizes culturais brasileiras de forma estereotipada. “Na medida em que essas pesquisas forem publicizadas, conteúdos cada vez mais acurados serão produzidos. E é muito importante, ainda, valorizar os produtores de conteúdo que estão, ao mesmo tempo, produzindo pesquisas para as mídias digitais e, também, na academia. E essa troca pode gerar frutos cada vez mais interessantes” disse.

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