Casa da Mulher Indígena: Um Espaço de Acolhimento e Proteção

Do feminicídio até o ato de não pertencer ao próprio território: a violência contra a mulher indígena pode ocorrer de várias formas nas comunidades do Brasil. Segundo os dados mais recentes do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), e do Ministério da Saúde, entre 2007 e 2017, foram registrados mais de 8,2 mil casos notificados de violência contra mulheres indígenas no Brasil. 

“A colonização ainda ocorre no Brasil. As mulheres são as mais impactadas com o processo, há várias vertentes de violências que vão além da violência sexual e física. Estamos falando sobre a garantia de existir com dignidade. Não ter um local para plantar e conviver com o mercúrio também é um tipo de violência”, afirma a antropóloga especialista em mulheres indígenas da UnB, Braulina Baniwa. 

Com o intuito de construir um espaço para o acolhimento de mulheres indígenas em todo Brasil, o Ministério das Mulheres, em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), vai idealizar a Casa da Mulher Indígena (CAMI). Avaliado em R$ 1,95 milhão, o espaço pretende atender, não só estudantes, mas todas as mulheres indígenas do Brasil, que estejam em vulnerabilidade social ou em situação de violência. (entenda mais abaixo). 

Ao Campus Multiplataforma, estudantes indígenas da UnB afirmaram que a proposta pode melhorar a segurança nas comunidades indígenas, principalmente se a Casa for instalada próxima a comunidades indígenas mais isoladas. Por outro lado, as estudantes alertaram sobre a importância de escutar as mulheres indígenas ao longo do processo de idealização e construção do local.  

 

Aos olhos étnicos das mulheres 

Atualmente, há 221 estudantes indígenas na graduação da Universidade de Brasília, que ingressaram por meio do vestibular indígena. Desses, 100 são mulheres. De acordo com dados obtidos pelo Campus Multiplataforma, atualmente, há sete mulheres matriculadas no mestrado e oito no doutorado na UnB. 

 

As estudantes indígenas da UnB ocupam um papel importante nesta fase de escuta do projeto. As estudiosas do laboratório de Mulheres da Faculdade de Arquitetura não só trocam informações sobre a vivência nas comunidades indígenas da UnB, como também, solicitam letramentos referentes a cultura e a forma correta como se referir aos costumes dos povos indígenas.  

Mãe e estudante de relações internacionais na UnB, a indígena Alcileide Moreira, conta que, para que o projeto tenha êxito, essas casas devem respeitar a cultura variada dos povos indígenas, sem que haja a intervenção radical dentro da própria comunidade, á que no Brasil há 266 povos diferentes, segundo o último Censo Demográfico de 2022. 

 

Mãe e estudante de relações internacionais na UnB, a indígena Alcileide Moreira. Foto: Lucas Lopes.  

 

“As mulheres indígenas tem suas especificidades. Cada povo possui ritos diferentes, nossos hábitos variam de região para região. Por isso, é importante que as mulheres que são de locais diferentes estejam dentro desta construção, que opinem sobre como este ambiente será criado”, afirma Alcileide.  

 

 

A estudante de Engenharia Florestal, Nhakaykep Paiakan, reforça a necessidade do local e compartilha um caso recente de violência que impactou a comunidade indígena no Distrito Federal.

 

 

“Sabemos de muitas histórias de violência contra mulheres indígenas, tanto no DF quanto nas comunidades. No ano passado, um caso nos chocou muito, e essa mulher teve que voltar para o Amazonas. Foi uma

situação muito complicada. Esse projeto será um apoio gigantesco para quem passa por isso”, afirma. 

Natural do povo Kayapó, no Pará, a estudante destaca que, no passado, as mulheres indígenas em sua comunidade enfrentavam a violência sozinhas, contando apenas com apoio de familiares próximos, como mães e tias.  

“Hoje, com a existência de outros órgãos e rede de apoio, elas conseguem buscar ajuda externa, ter acompanhamento psicológico e acessar recursos de saúde. Em muitos casos a mulher precisa sair da comunidade para se tratar, mas, pelo menos, agora há caminhos para buscar acolhimento.” 

Amanda Lopes, estudante de Medicina da UnB e natural do povo Atikum, em Pernambuco, completa essa visão ao destacar que a violência contra a mulher indígena está fortemente ligada ao patriarcado dentro das comunidades.  

 

Amanda Lopes, estudante de Medicina da UnB. Foto: Lucas Lopes. 

 

A ideia de que o homem é superior à mulher faz com que violências domésticas ocorram com frequência, não apenas de forma física, mas também verbal. Por outro lado, ao longo do tempo, a mulher também encontrou protagonismo dentro dessa história e passou a ocupar espaços que antes eram restritos aos homens.” 

A estudante destaca que, apesar das barreiras, muitas mulheres já assumem cargos de liderança dentro das comunidades. “Hoje, vemos um índice crescente de mulheres que se tornaram caciques e pajés, funções antes atribuídas exclusivamente aos homens. No entanto, essas mulheres ainda enfrentam preconceito e dúvidas sobre sua capacidade de liderar.” 

 

 

Um local de acolhimento 

Um espaço amplo, com a arquitetura central circular, para lembrar a organização das comunidades indígenas. O projeto nacional, assinado em dezembro de 2024, ainda está em fase inicial, mas já existem alguns esboços debatidos entre o Laboratório Mulheres, Arquitetura e Territórios (LAB_M.A.T), da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-UnB).  

A ideia é que, neste momento da iniciativa, as pesquisadoras escutem a realidade das mulheres indígenas. Com a pesquisa de campo concluída, o grupo laboratorial irá elaborar uma cartilha responsável por mapear as principais necessidades da comunidade indígena feminina referentes a arquitetura e projeção do local.  

“A gente entende de casa, a gente entende de construção, entendemos até a casa de mulher brasileira, que é um assunto que o nosso laboratório há mais de 10 anos, mas não entendemos nada da cultura indígena. O nosso processo atual funciona como uma entrevista com um cliente, só que são muitos clientes vindo de diferentes povos”, explica o coordenadora do laboratório das mulheres da UnB. 

O projeto perpassa as estruturas da Universidade de Brasília, o objetivo da parceria entre o Ministério e a universidade é estruturar seis Casas da Mulher Indígena, uma em cada bioma brasileiro. O valor empenhado é de R$ 1,950 milhão. De acordo com o ministério, a obra deve ser entregue no primeiro semestre de 2026. Veja o mapa abaixo.

 

Mapa: Akihito Sato.

 

Outro espaço indispensável é a cozinha e a horta, segunda a arquiteta Maribel. Ela explica que há uma série de uma casa tradicional brasileira, que foram esquecidas ao longo da história, com a mudança habitacional o homem se abtuou a morar em espaços reduzidos, como os vários paramentos distribuídos no Brasil.  

 

Arquiteta Maribel. Foto: Lucas Lopes.

 

“A cozinha é essencial, mas não igual a que a gente conhece, é uma cozinha mais aberta, onde elas podem preparar suas próprias, seus próprios alimentos. A horta também é necessária, porque muitas delas trabalham com beberagens e garrafadas. Então as ervas são muito importantes. Nos esquecemos desses espaços ao longo do tempo”, afirma a pesquisadora. 

Segundo o ministério, serão oferecidos: atendimento psicossocial, apoio jurídico e qualificação: Esses são alguns dos serviços de acolhimento que serão ofertados às mulheres indígenas em situação de violência, com identidade tradicional e que leve em conta os anseios culturais.  

De acordo com a pasta, o local deve contar com uma equipe multilateral. Advogados, antropólogos, intérpretes e psicólogos devem ficar responsáveis pelo atendimento das mulheres.  As edificações também precisam oferecer espaços de acolhida para crianças, salas de formação, áreas externas para hortas medicinais e terreiros para manifestações dos costumes e das tradições das atendidas. 

Cada mulher atendida receberá um protocolo de atendimento, com o intuito de facilitar o levantamento de dados para estudo do ministério sobre as comunidades com mais violência. Ao fim, o ministério e a UnB também devem contabilizar os dados. 

Ao Campus Multiplataforma, a secretária de Direitos Humanos da UnB, Cláudia Renault afirma que a casa funcionará como uma rede de apoio para mulheres indígenas. Vale ressaltar que, toda a rede de serviços deverá ter profissionais indígenas e indigenistas contratados, como tradutor/intérprete de línguas. 

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